Terapia ocupacional se mostra fundamental durante a pandemia

O trabalho dos profissionais têm sido fundamental no combate aos efeitos da pandemia.

Trabalho de profissionais têm sido importante no tratamento de pacientes neuropatas, idosos, crianças e pessoas com traumas e/ou déficit cognitivo

Elielton  Alves Amador *

 Todo o movimento de combate ao coronavírus deu uma perspectiva nova à sociedade do que é o sistema de saúde. Profissionais de saúde tornaram-se verdadeiros heróis diante da opinião pública dada a sua reconhecida importância no tratamento e na prevenção da Covid-19. Um desses profissionais, porém, parece ter tido sua importância tardiamente reconhecida: o terapeuta ocupacional.

   Antes de ser aprovado por unanimidade no Senado no mês passado, o Projeto de Lei 1409/2020, que amplia a lista de profissionais considerados essenciais ao controle de doenças e à manutenção da ordem pública, não incluía em seu conteúdo os terapeutas ocupacionais. Só foi incluído depois por emenda da senadora Mara Gabrilli (PSDB/SP) e acatada pela relatora, a senadora Zenaide Maia (PROS/RN).

   O texto original, que veio da Câmara dos Deputados, já incluía médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais e muitos outros, incluindo farmacêuticos, bioquímicos, cirurgiões dentistas e motoristas de ambulância. Graças às manifestações dos Conselhos Regionais e do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito), a senadora Gabrilli destacou que “de acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 7/2010 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) devem ser garantidos também os serviços de assistência de Terapia Ocupacional para UTI adulto e pediátrica.”

   Ou seja, a Sistema Único de Saúde (SUS) já reconhecera, muito antes, a importância dos terapeutas ocupacionais para a reabilitação e cuidado de pacientes graves. Isso porque a terapia ocupacional trabalha com a ideia de que o ser humano é social e fisicamente condicionado pela sua ocupação. Trabalho, lazer, tarefas diárias e cotidianas fazem parte do próprio “ser humano”.

   “O que nós denominamos de ‘ocupação’ nada mais é do que as atividades que compõem o dia a dia de cada pessoa. Nós entendemos que o ser humano é um ser ocupacional, ou seja, um ser que precisa manter-se o tempo todo envolvido em atividades, e essas atividades (que nós chamamos de ocupação) são fatores condicionantes de saúde”, explica Eden Ferreira, terapeuta ocupacional e vice-presidente do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 12ª Região (Crefito-12).

  Portanto, qualquer fator que venha interferir no envolvimento do indivíduo em atividades, interfere também no seu estado de saúde. Não há dúvida que práticas e conceitos postos radicalmente durante a quarentena, como isolamento e distanciamento social, lockdown, entre outros, afetaram drasticamente a nossa percepção e as nossas práticas ocupacionais. Se essas mudanças mexeram com pessoas com a cognição saudável, imagine os pacientes com deficiências neurológicas, os idosos e as crianças com déficits de atenção e problemas de ansiedade.

Gabriela Bahia atende há um ano e meio idosos em domicílio.

   Com pós-graduação em terapia cognitiva comportamental, a terapeuta ocupacional Gabriela Bahia atende há um ano e meio idosos em domicílio. São pacientes de reabilitação física, com déficits motores decorrente do envelhecimento e sequelas de AVC, além de pacientes em reabilitação cognitiva decorrente de Alzheimer.

   Com o crescimento da curva de atendimentos nos serviços de saúde e aumento de pessoas contaminadas, ela teve que parar os atendimentos por um tempo. Sem a cobertura e garantia de que seus serviços eram extremamente essenciais, pacientes e cuidadores ficaram com medo de manter os atendimentos presenciais.

  Mas logo percebeu-se que para esse grupo de pessoas, que necessitam de cuidados específicos, o terapeuta ocupacional era fundamental. “Suspendi meus atendimentos em virtude de serem idosos e do grupo de risco. Mas isso foi por pouco tempo, uma semana e meia mais ou menos. Os próprios cuidadores e familiares entraram em contato comigo pedindo o retorno dos atendimentos, pois perceberam que os pacientes estavam sentindo falta dos atendimentos, principalmente os de demanda cognitiva que logo apresentaram um declínio”, conta Gabriela.

  Não foi fácil retomar os atendimentos em meio à pandemia. “Tive dificuldade na implementação de EPIs que eu não costumava utilizar como máscara, protetor facial e o afastamento físico, sempre que possível. Não entrar na casa de sapato, utilizar sapatilhas de meia para reduzir ao máximo o risco de contaminação”, explica.

   Agora todo esse cuidado já está entronizado na sua prática, mas a profissional conta que no começo foi bem complicado, principalmente para as famílias, aceitar as orientações preventivas. Tanto familiares como pacientes tinham, e continuam tendo, dificuldades para colocar em prática as mudanças de rotina durante o isolamento social.

  Os próprios terapeutas ocupacionais tiveram essa dificuldade. “Eu também tive que modificar minha rotina para me adaptar, pois já estava me estressando com a nova situação. Busquei fazer atividades físicas em casa, pintura, alongamento e meditação e ajudou muito nessa nova configuração da minha rotina. Foi algo novo que surgiu, uma situação que não sabíamos como proceder e que afetou drasticamente a rotina de todos, inclusive dos profissionais.”

   Com a aprovação do PL 1409/2020, todos os profissionais nele listados, além de serem considerados serviços essenciais, têm prioridade na testagem da covid-19 e deverão ter acesso a EPI’s fornecidos pelo governo, entre outros benefícios.

  “Acho que foi fundamental tornar o atendimento terapêutico ocupacional como essencial, pois os pacientes têm suas necessidades e elas não vão cessar em virtude da pandemia, sem contar as necessidades geradas pela própria pandemia. Ao mesmo tempo temos que ter as devidas precauções nesse cenário incomum e angustiante”, conclui Gabriela.

Os dois lados da moeda: de tratador a paciente

   Diferentemente de Gabriela, que atende os seus pacientes na casa deles, a terapeuta ocupacional Ana Paula Girard trabalha no ambiente hospitalar infantil. Apesar do número de pequeninos acometidos com a covid-19 ser menor em relação ao total de doentes, as crianças neuropatas (que tem doenças dos nervos) têm necessidades especiais e são particularmente prejudicadas quando acometidas pela doença.

Ana Paula Girard: crianças neuropatas são prejudicadas.

   “O ambiente hospitalar é um ambiente de muita intervenção do terapeuta ocupacional no sentido da reabilitação, do posicionamento, das estimulações cognitivas, motoras e sensoriais, onde a gente trabalha nas orientações e confecções de medidas alternativas de comunicação para que favoreça a interação com a equipe, na manutenção e preservação da energia, no desenvolvimento das atividades de vida diária e no bem-estar como um todo”, explica Ana Paula.

   Esse ambiente também foi modificado pela pandemia, uma vez que o terapeuta ocupacional não pode mais manter contato físico com o paciente. E, em muitos casos, esse contato é parte importante da terapia. Por isso, o profissional tem que usar a criatividade para inventar métodos alternativos. “Essa criatividade é fundamental, pois precisamos lançar mão, muitas vezes, daquilo que o paciente traz consigo mesmo no seu dia a dia para realizar a intervenção”, pondera.

   O número a priori menor de pacientes não torna o risco na mesma proporção menor para o terapeuta ocupacional que trabalha no hospital. Nesse ambiente, toda criança internada acaba internando juntamente com seu cuidador: pai, mãe ou responsável. É essa pessoa que sai, entra e circula quando vai em casa trocar de roupa ou buscar comida. Essa pessoa expõe muito mais o profissional ao risco de contaminação.

   Dessa forma, o terapeuta ocupacional acaba tendo que tratar o acompanhante também, para a saúde mental dele e a prevenção de todos. Mesmo assim, o risco permanece. Tanto é que a própria Ana Paula Girad, que faz atendimentos diários no hospital, acabou sendo acometida pela covid-19. “Você acaba se tornando o paciente. Tive que me afastar e fui afetada pelos sintomas que afetam a todos os acometidos dessa doença. Tive que aprender a lidar com as sequelas, tive que lidar com o medo de ser contaminada de novo, com a insegurança”, desabafa.

 Para Ana Paula, como para todos os profissionais de saúde, a importância do reconhecimento é tão grande quanto a sua segurança. Cuidado que ela tem com as crianças que passam pelo seu atendimento e que fica claro na manifestação de pais e responsáveis.

   Ayran de Araújo Gonçalves é mãe e acompanhante da pequena Emilly Gonçalves da Silva, internada na Santa Casa de Misericórdia do Pará, em Belém, e sabe a importância que esses profissionais têm. Emilly é uma criança neuropata, com um quadro grave de crises convulsivas ainda em investigação. Acamada, ela passa por vários procedimentos médicos hospitalares. Um deles é a terapia ocupacional.

   “Antes de iniciar o tratamento, Emilly era uma criança sem muitas sensibilidades aos nossos toques. Hoje, graças aos estímulos e ao tratamento com Ana Paula, ela é outra criança. Mais esperta, mais atenciosa e com toques que eu não imaginava que ela poderia ter, pois sempre foi tão paradinha, sem coordenação motora”, conta a mãe.

   Para Ayran, a importância da terapia ocupacional na vida da filha é muito grande. “Hoje, com a ajuda da terapia ocupacional, Emilly também tem uma qualidade de vida e bem-estar. Àqueles que não dão muita importância a esses profissionais, pois, às vezes, passam despercebidos, devo dizer que na vida da minha Emilly eles têm feito um verdadeiro trabalho de recuperação”, garante.

 

*Reportagem publicada no dia 26 de junho de 2020 no jornal O Liberal.
Para ler a matéria original clique aqui
Compartilhe: